SENTIMENTALISMO DE MARINA
SUCEDE EUFORIA ELEITORAL
Candidata que atravessou a campanha, na condição de vice de
Eduardo Campos, carrancuda e mal humorada, chegou às fronteiras da euforia e da
soberba ao explodir nas pesquisas de opinião; agora, diante da redução de seus
índices, vestiu a capa da fragilidade feminina e verteu lágrimas para reclamar
do que chama de "mentiras do PT"; em direção contrária, presidente
Dilma Rousseff e ex-presidente Lula acentuam discurso racional para
mostrar contradições da adversária em temas como pré-sal, autonomia do Banco
Central, liberdade sexual e, ainda, no fato de ter a herdeira do banco Itaú,
Neca Setubal, como coordenadora de um programa dito popular; quem vai chorar
menos em 5 de outubro?
Na mais surpreendente campanha
eleitoral desde a redemocratização do Pais, em 1985, o momento agora é o do
sentimentalismo. Esse componente entrou de forma inevitável na eleição de 2014
com a tragédia que envolveu a morte do presidenciável Eduardo Campos e mais
seis pessoas, em acidente aéreo, em Santos, contados 30 dias atrás. Mas ganhou
um corpo vivo na sexta-feira 12, quando a candidata Marina Silva, do PSB,
sucessora de Campos, assumiu as feições de vítima de uma alegada conspiração
política destinada a destruir-lhe a imagem.
- Tenho
medo do que Lula pode fazer comigo, disse ela, lacrimejando, na busca de
aplacar as críticas da campanha petista. Neste ponto, a estratégia não deu
certo.
Flagrada
em uma série de contradições no seu próprio programa de governo, que se mostrou
uma típica colcha de retalhos com trechos copiados e colados de artigos
acadêmicos, indefinição em assuntos estratégicos como o pré-sal e viés
notadamente pró-mercado financeiro ao defender a autonomia do Banco Central
diante do presidente eleito da República, Marina se tornou alvo fácil para
ataques.
Um a
um, cada escorregão da candidata do PSB vai
sendo explorado politicamente pela presidente Dilma Rousseff, o
ex-presidente Lula e a militância do PT. Com uma ênfase que não poderia
ser menor diante do prêmio em jogo: nada menos que a chefia do Palácio do
Planalto.
MODELO SÉCULO 19 - Corrente literária e filosófica do final
século 19, o sentimentalismo é visto hoje como uma manifestação de jovens
sonhadores da época contra instituições seculares e poderosas como o Estado e a
Igreja. Seus adeptos não tiveram grande notoriedade, mas é certo que os dois
grandes adversários permanecem firmes e fortes até os dias de hoje.
A
julgar pelas pesquisas eleitorais, a Marina que se posiciona como vítima de
ataques desproporcionais desferido pelo PT vai precisar de mais do que lágrimas
para recuperar seu favoritismo na disputa. Assim que assumiu o lugar de Eduardo
Campos, cerca de 25 dias atrás, ela disparou nas preferências e
mostrou, então, uma face bastante diferente. Nos debates realizados
pelas redes Bandeirantes e SBT, e também em suas peças de propaganda eleitoral,
Marina tomou a cena falando quase que na qualidade de presidente
eleita, tal a certeza que procurava transmitir ao público - assim como desprezo
pelo trabalho de Dilma e sua equipe.
Os
principais assessores econômicos marineiros, Eduardo Gianetti da Fonseca e
André Lara Resende, foram aos jornais e a debates fechados espalhando modelos
sobre como devem ser as coisas no Ministério da Fazenda e no Banco Central.
Eles não demonstaram qualquer reconhecimento pelo trabalho feito nos últimos
anos pelos atuais titulares Guido Mantega e Alexandre Tombini. A ideia, natural
e compreensível numa campanha eleitoral, era destruí-los com os argumentos à
mão.
Nessa
hora de ataque, a herdeira do banco Itaú, Neca Setubal, saiu a campo para
lembrar que fizera ela própria a maior parte do trabalho destinado ao Rede, sob
o guarda-chuva do PSB, na confecção do programa de governo comum às duas
agremiação. Até pouco antes da morte de Campos, de resto, a própria Marina
continuava sólida em sua decisão de, com qualquer resultado, afastar-se do
partido em 2015 e retomar a formação do Rede. A bola, para usar uma
expressão popular, estava no campo deles.
Houve,
no entanto, escorregões. Considerando-se avassaladora do ponto de vista
eleitoral, Marina desdenhou da importância econômica do petróleo e do pré-sal,
afirmou e reafirmou sua bandeira de autonomia do Banco Central e, assustada com
a reação contrária do pastor Silas Malafaia, um rematado coletor de dízimos e
contribuições de legiões de fiéis de sua congregação pentecostal, recuou em sua
posição de proporcionar às uniões homoafetivas o status de casamento como outro
qualquer.
No
lugar dos adversários petistas, seria muito difícil não reagir como Dilma e
Lula passaram a fazer. Ambos, cada um ao seu modo, trataram, em própria defesa,
de apontar os paradoxos da Marina pré-morte de Campos e sem favoritismo
eleitoral em relação à mesma Marina que surgia eufórica e soberana na onda das
pesquisas.
TERGIVERSAÇÃO COM GAYS - Diante da exposição de contra-argumentos,
os petistas extraíram de Marina, primeiro, negativas para o que dissera, por
exemplo, sobre o pré-sal, mas também reafirmações como a da defesa da autonomia
do BC sobre o governo eleito. A candidata do PSB procurou tergiversar sobre as
tradicionais bandeiras tradicionais do movimento LGBT, mas não viu problemas em
se solidarizar à amiga Neca Setubal, responsável pela doação de R$ 1 milhão que
correspondeu a 83% de tudo o que foi arrecado pelo Instituto Marina Silva no
ano de 2013. Na disputa pela grande franja popular do eleitorado, a candidata
do PSB achou que poderia carregar Neca ao seu lado sem qualquer questionamento
sobre origem e questão de classe, mas isso foi impossível.
Frustrado
o movimento racional de defesa, o que fez Marina. Chorou. E para um ataque do
ex-candidato a presidente Ciro Gomes, disse simplesmente que daria "a
outra face", sem, outra vez, entrar no mérito objetivo da discussão.
Ainda
não se sabe que o chororô sentimental de Marina é alguma artimanha de
marqueteiros, mas está claro que aposta nesta estratégia é alta. À medida em
que evita debater claramente seu programa de governo, talvez com receio de que
ele não obtenha a concordância da maioria necessária para eleger um presidente,
Marina passa uma imagem ao eleitor completamente diferente da apresentada nas
fases imediatamente anteriores da eleição. Crítica e mau humorada ao lado de
Campos, superior e segura durante a fase de alta nas pesquisas, agora ela é a
mulher frágil que tem medo do que os adversários podem fazer com ela.
Trata-sem
de uma aposta num único número: se o eleitor ficar penalizado, ela vence, mas
se o voto da maioria for racional, pouco dela vai sobrar. Entre lágrimas, a
sorte foi novamente lançada, a 23 dias da eleição.
BRASIL 247 13 de setembro de 2014 às 21:41
Adaptado pelo Blog do SINPROCAPE 14.09.2014 07h09m
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