NA RELAÇÃO COM A IMPRENSA, O
VALE-TUDO DE AÉCIO CONTRA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Obsessivo pelo controle de sua imagem pública, o candidato
a presidente do PSDB tem longo histórico de censura e intimidação contra
jornais e jornalistas independentes em Minas Gerais
por Marcelo Carota
A investida do senador e presidenciável tucano contra 66
comunicadores independentes sob a alegação de “formação de quadrilha remunerada”para
difamá-lo, infelizmente, não foi um caso isolado, mas uma dentre tantas
semelhantes, e mesmo piores, já empreendidas pelo candidato desde 2002, na
campanha para o governo de Minas Gerais, ponto de partida para sua principal
ambição, a presidência da República, à qual concorre agora.
Para tanto, havia uma imagem a ser minuciosamente construída, e
que nada ou ninguém poderia arranhar, por mais que o candidato, sozinho, se
encarregasse de fazê-lo como ninguém, política e pessoalmente. Apesar disso,
sua irmã e mentora, Andréa Neves, e equipe tinham como mantê-lo sob controle,
mas a questão era: e a mídia, e a opinião pública?
A
adesão dos proprietários da primeira foi natural e satisfatória para ambas as
partes, mas, entre eles, havia jornalistas compromissados com a verdade dos
fatos. Por outro lado, a internet já possibilitava a quem se dispusesse ser a
sua própria mídia. Conheça, ou relembre, as ações e reações dos irmãos Neves em
relação à liberdade de expressão, de forma a construir uma carreira equilibrada
sobre muita propaganda e, tanto quanto, sobre muitos silêncios.
2002
° O jornalista Ulisses Magnus era editor de esporte da Rede Minas
quando estourou o que se chamou “Caso Cruzeiro”, sobre uma desavença entre o
então técnico, Vanderlei Luxemburgo, e alguns jogadores, com grosserias por
parte de Luxemburgo. Um fato comum a qualquer clube, mas que tomou um destino
insólito.Ulisses fez a matéria, levou-a ao ar, causando alguma repercussão
interna e externa, junto à torcida, e com mais grosserias por parte do
treinador, agora contra a equipe da TV estatal. Num encontro com Zezé Perrela,
à época presidente do clube, Ulisses ouviu deste, em tom de brincadeira: “Olha
que quando o Aécio (cruzeirense e já eleito governador) assumir, você pode
perder o emprego”. Ulisses foi demitido dias após a posse do tucano.
2003
° Logo no início de seu primeiro mandato como governador, Aécio
pressionou a Rede Minas, emissora oficial do governo de MG, a tirar de sua
grade o programa de entrevistas políticas “Palavra Cruzada”, dirigido e
apresentado pelo jornalista Gilberto Menezes, que, em carta enviada ao
Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (SJPMG), afirmou ter
sido “censurado pelo governo Aécio Neves”. De acordo com ele, a retirada do
programa do ar se deveu a uma exigência do ex-governador Eduardo Azeredo e do
ex-ministro das Comunicações, hoje candidato de Aécio ao governo do estado,
Pimenta da Veiga. A razão, afirma Menezes em trecho da carta, foram "(...)
as críticas que fazia sistematicamente aos governos do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso e à administração de Eduardo Azeredo enquanto
governador".
° Não muito tempo depois foi a vez do então presidente do
Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, Aloísio Lopes, em
artigo publicado no jornal Pauta, da entidade, denunciar que, a partir do
governo Aécio Neves, tornou-se crescente o número de queixas de jornalistas
sobre a postura das redações dos jornais e das chefias de comunicação de
instituições públicas em todas matérias compreendendo a gestão do governador.
As queixas mais frequentes eram relativas à edição das matérias, com omissão e
distorção dos fatos até que o texto publicado se tornasse absolutamente
diferente do que fora produzido a partir dos fatos apurados.
° Em abril de 2003, a afiliada mineira da Rede Globo produziu
matérias cuja relevância garantiu veiculação pelo Jornal Nacional: uma, sobre
crianças se drogando na chamada “rua do crack”, em Belo Horizonte, a poucos
metros do Departamento de Investigação; outra, denunciando a ineficiência da
polícia, por desvios de função; e a última, sobre superlotação das
penitenciárias mineiras. A série de reportagens causou a demissão do diretor de
jornalismo da Globo Minas, Marco Nascimento. Segundo Nascimento, sua cabeça foi
pedida diretamente por Andréa Neves.
° Ao final de 2003, o Instituto Brasmarket fez pesquisa nacional
para avaliação dos 27 governadores da Federação no início de seus mandatos. Ugo
Braga, editor do jornal O Estado de Minas, foi demitido após divulgar nota
informando que o governador fora mal avaliado, ocupando o antepenúltimo lugar
na pesquisa.
° O radialista Paulo Sérgio, apresentador do “Itatiaia Patrulha”,
programa policial feito ao vivo, cobra ações do governo Aécio para a segurança.
Certo dia, foi informado de que seu programa estava sendo gravado pela
assessoria de comunicação do governo, com acompanhamento pessoal da irmã do
governador, Andréa Neves. A partir daí, seu diretor, Márcio Doti, o proibiu de
veicular qualquer informação sem antes submetê-la à sua avaliação, o que tornou
insustentável a continuação do programa.
2004
° Belo Horizonte, 02 de junho, amistoso Brasil x Argentina no
Mineirão. O jornalista esportivo da Band, Jorge Kajuru, momentos antes do
início da partida, reporta com imagens as áreas de acessibilidade do estádio
reservadas para a entrada dos 10 mil VIPs convidados pela CBF e pelo
governador, assim impedindo a entrada de cadeirantes. No intervalo para o
segundo tempo do jogo, Kajuru foi retirado do ar, a pedido, segundo ele, de
Andréa Neves, irmã do governador, que também pediu à Band que o demitisse, o
que aconteceu uma semana depois do episódio.
2007
° No início
de seu segundo mandato, em janeiro de 2007, sem o habitual estardalhaço
publicitário destinado às suas ações, o governador Aécio Neves, após aprovação
pelo Legislativo mineiro, publicou a chamada “Lei Delegada 132/2007”,
permitindo ao seu gabinete militar colher informações que julgasse de seu
interesse monitorar em movimentos organizados livres e em manifestações da
sociedade civil, sua comunicação, com poder, inclusive, para quebra de sigilo e
demais direitos assegurados constitucionalmente.
A medida tornou-se de conhecimento público graças ao jornalista
mineiro Marco Aurélio Carone, criador e editor do Novo Jornal, com sede na capital do
estado, que denunciou o fato após descobrir que o jornal estava grampeado,
vigiado e investigado pelo Gabinete Militar do Governo de Minas, algo
equivalente ao que fazia o Serviço de Informação do Estado, criado na ditadura
militar para monitorar e coibir a liberdade de expressão em todas as suas
formas. Desde então, Carone teve seguidos e graves problemas para fazer seu
trabalho, mas nada que se comparasse ao ponto em que chegou, sete anos depois,
a obstinação do senador e presidenciável em calar o jornalista.
2014
° Assim
como toda a blogosfera, e até parte da mídia corporativa, Marco Aurélio Carone,
do Novo
Jornal, também fez matéria sobre o escândalo da apreensão do helicóptero
da empresa Limeira Agropecuária e Participações Ltda, da família do senador
Zezé Perrela (SDD/MG), com uma carga de quase meia tonelada de pasta-base de
cocaína. Mas, ao contrário dos demais jornalistas e veículos que cobriram o
escândalo, Carone foi o único a ser duramente retaliado por isso: a pedido do
senador e presidenciável Aécio Neves, seu site foi censurado sumariamente,
saindo do ar, e Carone está preso.
Cardiopata e hipertenso, já teve
de ser removido em estado grave a um hospital, para atendimento de urgência,
mas retornou à prisão, com a saúde ainda bastante debilitada. O tratamento do
TJMG à sua sentença é um caso à parte: seus advogados já foram proibidos de
falar com ele, o que compromete substancialmente a produção de sua defesa, e
lhe foi negado o habeas corpus para responder o processo em liberdade sob
justificativa “amparada no requisito da conveniência da instrução criminal, já
que em liberdade poderá forjar provas, ameaçar e intimidar testemunhas, além de
continuar a utilizar o seu jornal virtual para lançar informações inverídicas”,
conforme despacho da juíza Maria Isabel Fleck. Pergunta-se: “conveniente” a
quem?
Se
faltava censura prévia no histórico da relação do senador com a liberdade de
expressão, com a prisão de Carone nessas circunstâncias, não falta mais.
RBA 13 de setembro de 2014 às 17:04
Adaptado pelo Blog do SINPROCAPE 14.09.2014 05h44m
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