TODOS
SOLTOS ATÉ HOJE, POR ELIO GASPARI
Jornal GGN – Em
debate com Aécio Neves, Dilma Rousseff enumerou alguns dos escândalos
envolvendo tucanos. “Caso Sivam”, “Pasta Rosa”, "Compra de votos para a
reeleição de FHC", "Mensalão tucano mineiro" e "Compra de
trens em São Paulo". Onde estão os responsáveis? Todos soltos, disse a
presidente. Elio Gaspari fez um levantamento desses casos de corrupção em sua
coluna na Folha de S. Paulo.
Por Elio Gaspari
Da Folha de S. Paulo
Não foi Dilma quem prendeu a bancada da Papuda, nem Aécio quem
soltou os tucanos, mas a conta está aí
Nos debates medíocres da TV Bandeirantes e do SBT, em que Dilma
Rousseff parecia disputar a Presidência com Fernando Henrique Cardoso e Aécio
Neves parecia lutar por um novo mandato em Minas Gerais, houve um momento
estimulante. Foram as saraivadas de cinco "todos soltos" desferida
pela doutora.
Discutia-se a corrupção do aparelho petista e ela arrolou cinco
escândalos tucanos: "Caso Sivam", "Pasta Rosa",
"Compra de votos para a reeleição de FHC", "Mensalão tucano
mineiro" e "Compra de trens em São Paulo". A cada um, ela
perguntava onde estavam os responsáveis e respondia: "Todos soltos".
Faltou dizer: todos soltos, até hoje.
Não foi Dilma quem botou a bancada da Papuda na cadeia, foi a
Justiça. Lula e o comissariado petista deram toda a solidariedade possível aos
companheiros, inclusive aos que se declararam "presos políticos".
Aécio também nada tem a ver com o fato de os tucanos dos cinco escândalos
estarem soltos. Eles receberam essa graça porque o Ministério Público e o
Judiciário não conseguiram colocar-lhes as algemas. O tucanato deu-lhes graus
variáveis de solidariedade e silêncio.
Pela linha de argumentação dos dois candidatos, é falta de
educação falar dos males petistas para Dilma ou dos tucanos para Aécio. Triste
conclusão: quando mencionam casos específicos, os dois têm razão. A boa notícia
é que ambos prometem mudar essa escrita.
A doutora Dilma listou os cinco escândalos tucanos, todos do
século passado, impunes até hoje. Vale relembrá-los.
CASO SIVAM
Em 1993 (governo Itamar Franco), escolheu-se a empresa americana
Raytheon para montar um sistema de vigilância no espaço aéreo da Amazônia.
Coisa de US$ 1,7 bilhão, sem concorrência. Dois anos depois (governo FHC), o
"New York Times" publicou que, segundo os serviços de informações
americanos, rolaram propinas no negócio. Diretores da Thomson, que perdera a
disputa, diziam que a gorjeta ficara em US$ 30 milhões. Tudo poderia ser briga
de concorrentes, até que um tucano grampeou um assessor de FHC e flagrou-o
dizendo que o projeto precisava de uma "prensa" para andar. Relatando
uma conversa com um senador, afirmou que ele sabia "quem levou dinheiro,
quanto levou".
O tucano grampeado voou para a Embaixada do Brasil no México, o
grampeador migrou para o governo de São Paulo e o ministro da Aeronáutica perdeu
o cargo. Só. FHC classificou o noticiário sobre o assunto como
"espalhafatoso".
PASTA ROSA
Em agosto de 1995, FHC fechou o banco Econômico. Estava quebrado
e pertencia a Ângelo Calmon de Sá, um príncipe da banca e ex-ministro da
Indústria e Comércio. Numa salinha do gabinete do doutor, a equipe do Banco
Central que assumiu o Econômico encontrou quatro pastas, uma da quais era rosa.
Nelas estava a documentação do ervanário que a banca aspergira nas eleições de
1986, 1990 e 1994. Tudo direitinho: 59 nomes de deputados, 15 de senadores e 10
de governadores, com notas fiscais, cópias de cheques e quantias. Serviço de
banqueiro meticuloso. Havia um ranking com as cotações dos beneficiados e
alguns ganharam breves verbetes. No caso de um deputado, registravam 43
transações, 12 com cheques.
Nos três pleitos, esse pedaço da banca deve ter queimado mais de
US$ 10 milhões. A papelada tornara-se uma batata quente nas mãos da cúpula do
Banco Central. De novo, foi usada numa briga de tucanos e deu-se um vazamento
seletivo. Quando se percebeu que o conjunto da obra escapara ao controle, o
assunto começou a ser esquecido. FHC informou que os responsáveis pela
exposição pagariam na forma da lei: "Se for cargo de confiança, perdeu o
cargo na hora; se for cargo administrativo, será punido
administrativamente". Para felicidade da banca, deu em nada.
COMPRA DE VOTOS PARA A REELEIÇÃO DE FHC
Em maio de 1997, os deputados Ronivon Santiago e João Maia
revelaram que cada um deles recebera R$ 200 mil para votar a favor da emenda
constitucional que criou o instituto da reeleição dos presidentes e
governadores. Ronivon e Maia elegiam-se pelo Acre e pertenciam ao PFL, hoje
DEM. Foram expulsos do partido e renunciaram aos mandatos. Ronivon voltou à
Câmara em 2002. De onde vinha o dinheiro, até hoje não se sabe.
MENSALÃO TUCANO MINEIRO
Em 1998, Eduardo Azeredo perdeu para o ex-presidente Itamar
Franco a disputa em que tentava se reeleger governador de Minas Gerais. Quatro
anos depois, elegeu-se senador e tornou-se presidente do PSDB. Em 2005, quando
já estourara o caso do mensalão petista, o nome de Azeredo caiu na roda das
mágicas de Marcos Valério. Quatro anos antes de operar para o comissariado, ele
dava contratos firmados com o governo de Azeredo como garantia para empréstimos
junto ao banco Rural (o mesmo que seria usado pelos comissários.) O dinheiro ia
para candidatos da coligação de Azeredo. O PSDB blindou o senador, abraçou a
tese do "caixa dois" e manteve-o na presidência do partido durante
três meses.
Quando perdeu a solidariedade de FHC, Azeredo disse que, durante
a disputa de 1998, ele "teve comitês bancados pela minha campanha".
Em fevereiro passado, o Supremo Tribunal Federal aceitou a denúncia do
procurador-geral contra Azeredo e ele renunciou ao mandato de deputado federal
(sempre pelo PSDB). Com isso, conseguiu que o processo recomeçasse na primeira
instância, em Minas Gerais. Está lá.
COMPRA DE TRENS EM SP
Assim como o caso Sivam, o fio da meada da corrupção para a
venda de equipamentos ao governo paulista foi puxado no exterior. O "Wall
Street Journal" noticiou em 2008 que a empresa Alstom, francesa, molhara
mãos de brasileiros em contratos fechados entre 1995 e 2003. Coisa de US$ 32
milhões, para começar. O Judiciário suíço investigava a Alstom e tinha listas
com nomes e endereços de pessoas beneficiadas. Um diretor da filial brasileira
foi preso e solto. Outro, na Suíça, também foi preso e colaborou com as
autoridades.
Um aspecto interessante desse caso está no fato de que a
investigação corria na Suíça, mas andava devagar em São Paulo. Outras
maracutaias, envolvendo hierarcas da Indonésia e de Zâmbia, resultaram em
punições. Há um ano a empresa alemã Siemens, que participava de consórcios com
a Alstom, começou a colaborar com as autoridades brasileiras e expôs o cartel
de fornecedores que azeitava contratos com propinas que chegavam a 8,5%.
Em 2008, surgiu o nome de Robson Marinho, chefe da Casa Civil do
governo de São Paulo entre 1995 e 2001, nomeado ministro do Tribunal de Contas
do Estado. Em março passado, os suíços bloquearam uma conta do doutor num banco
local, com saldo de US$ 1,1 milhão. Ele nega ser o dono da arca, pela qual
passaram US$ 2,7 milhões. (Marinho tem uma ilha em Paraty.) O Ministério
Público de São Paulo já denunciou 30 pessoas e 12 empresas. Como diz a doutora,
"todos soltos".
JORNAL GGN 19 de outubro de 2014 14:50
Adaptado pelo Blog do SINPROCAPE 19.10.2014 16h13m
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