A
ESTRADA CONSTRUÍDA POR AÉCIO NOS ARREDORES DA FAZENDA DE ROBERTO MARINHO EM MG
Por Joaquim de Carvalho
Em 2001, quando era governador de Minas Gerais, Itamar Franco recebeu a
sugestão de asfaltar uma antiga estrada no interior do estado, que liga os
municípios de Botelhos, na região de Poços de Caldas, a Alfenas. A obra foi à
licitação, mas, depois de concluído o processo, Itamar optou por não fazer a
pavimentação, pois, segundo disse ao então prefeito de Poços de Caldas,
entendia que não era prioridade para Minas.
Seu sucessor, Aécio Neves, retomou o processo e fez a obra. No percurso
entre as duas cidades, existem muitas propriedades rurais, mas nenhuma dela é
maior do que uma fazenda que produz café de qualidade e tem uma grande criação
de porcos, de onde saem todas as semanas caminhões carregados de carne suína em
direção ao frigorífico de Poços de Caldas.
A propriedade se chama Sertãozinho, mas seu proprietário não gosta de
publicidade. Em 2012, a revista Globo Rural publicou o resultado do 13º
Concurso de Qualidade Cafés do Brasil — “Cup of Excellence Early Havest” –,
realizado em Jacarezinho, no Paraná. A notícia destaca os três primeiros
colocados, mas dá o nome da fazenda e do proprietário só dos dois primeiros. O
terceiro tem apenas o nome da fazenda.
A propriedade foi comprada por Roberto Marinho há cerca de 15 anos e
hoje quem manda ali é seu filho mais velho, Roberto Irineu Marinho.
A estrada é antiga. “Eu tenho 56 anos e sempre usei essa estrada para ir
a Divisa Nova [município entre Botelhos e Alfenas]”, diz José Carlos Rocha,
corretor em Botelhos. Era de terra, mas bem conservada pelas prefeituras de
Divisa Nova e Botelhos. Depois que recebeu o asfalto, os moradores notaram
mudança no traçado.
A estrada segue como antigamente até a entrada da Fazenda Sertãozinho,
onde ela faz um desvio à esquerda e vai num percurso sinuoso por três
quilômetros até um campo de futebol, onde tem outra porteira e termina a
propriedade da família Marinho.
“Todas as outras propriedades são cortadas pela estrada municipal, menos
a Sertãozinho”, conta Paulo Thadeu, ex-prefeito de Poços de Caldas e médico
veterinário que trabalhou na fazenda, quando era de Homero Souza e Silva, sócio
de Walter Moreira Salles no antigo Unibanco.
Homero vendeu a propriedade depois que bateu o carro entre Poços de
Caldas e Botelhos. Dirigia o próprio carro e estava na companhia da esposa, que
morreu. Desgostoso, colocou a propriedade à venda, comprada por Roberto
Marinho.
“O Roberto Marinho ia sempre à fazenda, gostava muito dali. Eu mesmo vi
ele algumas vezes na festa de São Pedro”, diz uma mulher que trabalhou na
propriedade e guarda o registro em carteira. A tradição se mantém. Todos os
anos a Sertãozinho realiza a festa junina.
Funcionários contam que Roberto Marinho tinha especial predileção por um
cinematográfico jequitibá rosa conservado no coração da lavoura. De longe é
possível ver a árvore, no meio de um recorte do cafezal em formato de diamante.
Eu fui até a fazenda, e usei a antiga estrada, que tem, hoje, uma
porteira, mas que permanece aberta (não poderia ser diferente, já que se trata
de estrada pública).
Logo na entrada, uma placa de fundo verde, com o desenho estilizado do
jequitibá rosa e a frase: “Fazenda Sertãozinho – Sejam bem-vindos”. Entrei e
fui até a casa do administrador, uma construção com varanda e garagem onde
estavam três veículos, um modelo compacto, uma moto e uma camionete, todas com
adesivos “Aécio Presidente”. Quem me atendeu foi seu sogro, que estava na
varanda. Pedi para falar com o administrador. Primeiro veio o filho pré-adolescente,
depois um homem parrudo, de camisa azul e bermuda.
Quando disse que era jornalista e estava fazendo uma reportagem sobre o
desvio da estrada, o administrador se enfureceu: “Foi o PT que mandou você
aqui?” Expliquei que o desvio de uma estrada, em benefício de particulares, é
assunto de interesse público.
“Faz isso não, faz isso não”,
disse, andando de um lado para o outro da varanda, ele no alto, eu num ponto
mais baixo, separados por alguns degraus. “Isso aqui é um projeto social”. Como
assim, projeto social? É uma fundação? Uma ONG? “Não. É que, se a Sertãozinho
fechar, muita gente vai ficar desempregada em Botelhos”. E quantos empregos a
fazenda dá? “Duzentos e quarenta”.
José Renato não escondia o nervosismo. “Gozado que vocês do PT fazem
esse tipo de entrevista só no domingo.” Eu não sou do PT, disse a ele e pedi
para gravarmos. José Renato Gonçalves Dias, o administrador, não quis gravação.
Mas tentou dar algumas explicações.
“Tinha duas estradas, mas decidiram asfaltar aquela outra. Acho que é
porque aqui moram algumas famílias, e a estrada asfaltada é um risco de
acidente”. Mas a estrada municipal não é esta daqui? “As duas são”.
Os moradores da região negam que existisse outra estrada além da que
corta a Sertãozinho. “Não existia outra estrada coisa nenhuma, era cafezal, e a
divisa da fazenda Sertãozinho”, diz o ex-prefeito de Poços de Caldas.
Como veterinário, *Paulo Thadeu passava sempre por ali. Não atendia
apenas a Sertãozinho, mas outras propriedades, e sua então namorada, hoje
esposa, morava num bairro conhecido como São Gonçalo, alguns quilômetros
adiante da fazenda da família Marinho. “A estrada corta todas as fazendas, onde
também moram pessoas, e a colônia de moradores da Sertãozinho não fica perto da
estrada”.
Deixei na mão do administrador uma folha de papel com meu nome, telefone
e e-mail, e pedi para entrasse em contato, caso quisesse dar mais informações
sobre o desvio da estrada.
Retomei o caminho de Alfenas, pela antiga estrada municipal, que corta a
fazenda. Estava fotografando um bambuzal que cobre a estrada e lhe dá a bela
forma de um túnel quando a camionete, em alta velocidade, parou atrás do meu
carro e José Renato correu na minha direção: “Você não vai fotografar aqui!”,
gritou. Mas a estrada é pública, estou no caminho de Alfenas.
Entrei no meu carro e segui pela estrada municipal até o lado de fora da
porteira, que estava aberta, onde tem um campo de futebol e o asfalto retoma o
antigo traçado, fora dos domínios da Sertãozinho.
O administrador continuou parado 200 metros distante, com a camionete na
diagonal, e quando comecei a registrar com a câmera sua presença intimidadora,
ele saiu, na direção da casa. Permaneci na estrada municipal, mas do lado de
fora da porteira aberta, e alguns minutos depois chegou um carro com quatro
homens. Todos pararam onde a camionete do administrador estava. Tinham o tipo
físico de seguranças.
“A Globo desviou a estrada porque ela pode, uai”, diz, rindo, um homem
sentado no banco da praça central de Botelhos. O homem, de boné e camisa
aberta, trabalhou na Sertãozinho, no retiro de leite, quando a Sertãozinho
produzia de 3 a 4 mil litros por dia. Hoje, além dos porcos e do café, tem gado
de corte.
O ex-vereador Olair Donizete Figueiredo, do PDT, que foi presidente da
Câmara Municipal, diz que gostou do asfalto, apesar do desvio que aumentou em 3
quilômetros a distância até o município de Divisa Nova, mas critica o governo
de Aécio Neves pela ausência de outra obra na região e da falta de atenção com
os professores.
“Ele fez o asfalto por causa da influência da Globo, porque ia
beneficiar ele. E aqui foi só, não fez mais nada”, afirmou o ex-presidente da
Câmara.
Depois de pavimentar a pista de um aeroporto na antiga fazenda do tio,
que tinha a posse da chave, desviar a rede de alta tensão para construir um
haras na própria fazenda, de onde retirou o tráfego com a abertura de outra
estrada, descobre-se agora que o governo de Aécio não foi generoso apenas com a
própria família. Botelhos é testemunha de um jeito particular de administrar.
*Paulo Thadeu, é veterinário e ex-prefeito de Poços de Caldas.
DCM 23 de outubro de 2014
Adaptado pelo Blog do SINPROCAPE 23.10.2014 12h33m
Nenhum comentário:
Postar um comentário