SILÊNCIO
TOTAL NA DITADURA: PELO EXÉRCITO E PELO ESTADO DE SÃO PAULO
por
Patricia Faermann
Desde que o comandante do Exército, o general Enzo Peri,
impôs silêncio a todos os quartéis para não colaborarem com as Comissões da
Verdade e com as investigações do Ministério Público Federal sobre as
violências praticadas durante o regime militar, o sigilo foi estendido a uma
ordem geral. A Defensoria Pública paralisou os trabalhos e a Polícia
Técnico-Científica esconde documentos do IML (Instituto de Médico Legal).
“O governo do Estado não abre os arquivos do
IML. Nós temos documentos de mortos e desaparecidos, copiados de laudos da
polícia civil do IML e que agora não existem mais. Tem coisa mais grave que
isso? Quer dizer, os documentos existiam, copiamos anos atrás, e agora nós não
achamos nem na Polícia [Técnico-Científica], nem no arquivo".
"E o pior é que tem outra péssima
notícia. A Defensoria do Estado de São Paulo estava fazendo um trabalho
maravilhoso de mudança dos atestados de óbito dos mortos e desaparecidos
paulistas. Até isso parou. Até isso”, disse o deputado estadual Adriano
Diogo, fundador e presidente da Comissão da Verdade do Estado
Rubens Paiva, ao Jornal
GGN.
Quando perguntado se considerava que a
paralisação e a omissão eram reflexos da ordem de silêncio das Forças Armadas,
Adriano Diogo respondeu: “Acredito, acredito, acredito. Infelizmente”.
Recentemente Diogo foi recebido pelo
Secretário de Segurança Fernando Grella, que se dispos a apurar as suspeitas do
deputado. No entanto, Diogo não dispunha de mais dados que permitissem uma
busca nos arquivos do estado.
A ação da Defensoria Pública era para ser
mesmo notória. Foi um acordo com a Comissão, o Ministério Público e a Justiça
de São Paulo, em março deste ano, para modificar os registros que constavam
outras explicações para as mortes, a fim de omitir a responsabilidade das Forças
Armadas nos assassinatos.
As primeiras retificações ocorreram a pedido
da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e determinadas pela Justiça. Os laudos de
óbito do jornalista Vladimir Herzog e do estudante Alexandre Vannucchi já foram
corrigidos, assim como do militante comunista João Batista Franco Drummond,
após solicitação da família.
Os atestados originais de Herzog e de
Vannucchi traziam a causa suicídio. O jornalista teve a modificação de sua
morte registrada por “lesões de maus-tratos sofridos em dependência do II
Exército – SP (Doi-Codi)”, em 1975, aos 38 anos. O estudante da USP e militante
da Ação Libertadora Nacional (ALN) também teve sua correção: “lesões
decorrentes de tortura e maus-tratos”.
A boa notícia das mudanças nos laudos, que
são registros da história do país, durou pouco.
A expectativa era que os 164 casos de mortos
e desaparecidos políticos paulistas conquistassem a retificação. Entretanto,
até o momento, apenas 5 ações de modificações foram propostas pela Defensoria.
Ainda que já se passaram seis meses desde que
o acordo foi fechado, o órgão alega que houve pedido do Ministério Público para
anexação de mais documentos para essas 5 ações. Os referidos arquivos foram
juntados aos processos na semana passada, “diante da determinação judicial”,
afirmou a Defensoria do Estado, em nota oficial.
“A Defensoria Pública de SP continua atuando
nos processos referentes à mudança/retificação dos atestados de óbito dos
mortos e desaparecidos durante a ditadura militar (...) e realiza a instrução
de outros casos para que sejam propostas novas ações”, respondeu.
O órgão informou que “dada a relevância do
assunto, os processos estão sendo acompanhados diretamente pelo Núcleo
Especializado de Cidadania e Direitos Humanos”.
A denúncia de que os documentos, laudos e
exames do Instituto Médico Legal de São Paulo dos mortos pela ditadura
desapareceram é ainda mais grave.
Tais registros não apenas são as únicas
respostas e arquivos que familiares poderiam ter, como são indispensáveis para
o avanço das investigações das quais as Comissões lutam para se chegar: “o
Brasil começou a mudar, porque se parou de falar das vítimas para falar de quem
produziu essas vítimas. E um dia nós vamos chegar à Justiça”, disse o deputado.
O Jornal GGN entrou em contato com a
Superintendência da Polícia Técnico-Científica, que confirmou o envio de uma
resposta. Mas até as 18 horas desta quinta-feira (11), não emitiram um
posicionamento.
Segundo Adriano Diogo, tudo teve início com a
exigência do comandante do Exército em 25 de fevereiro deste ano. O ofício do
comando veio a público pelo subdiretor do Hospital Central do Exército (HCE),
coronel Rogério Pedroti, que utilizou a carta para negar um pedido do
Ministério Público Federal do Rio de Janeiro.
No ofício, Enzo Peri determina que qualquer
solicitação sobre as mortes e desaparecimentos durante o regime da ditadura
deve ser respondida, exclusivamente, por seu gabinete, sem direito a palavra
qualquer unidade militar, independente de onde vierem as demandas: pelo “poder
Executivo (federal, estadual e municipal), Ministério Público, Defensoria
Pública e missivistas que tenham relação ao período de 1964 e 1985”, diz o
documento.
“Eu acho que a presidente da República devia
demiti-lo [o general] por incitar a indisciplina, a rebeldia e o ocultamento
dos cadáveres em plena época da Comissão da Verdade. Eu acho que ele a afrontou
[a presidente], e todo o povo brasileiro”, afirmou o fundador da Comissão
Rubens Paiva.
“[Tudo está] relacionado com a frase do
ministro do Exército: cale-se tudo. Os [militares] da ativa ou da reserva, ‘só
eu falo pelas Forças Armadas’”, concluiu Adriano.
No final de agosto, o Ministério Público
Federal do Rio de Janeiro sinalizou que iria pedir à Procuradoria Geral da
República que ingressasse com representação contra Enzo Peri, o
que veio a se concretizar na última semana.
Além do ofício, os procuradores denunciam que
o Exército tem prestado “informações falsas ou incompletas” sobre o histórico
funcional de militares durante a ditadura, e suspeitam de crime de falsidade
ideológica, sonegando folha de alterações do general Jose Antonio Nogueira
Belham, acusado de homicídio e ocultação de cadáver do ex-deputado Rubens
Paiva.
Outro aval para a forma como as Forças
Armadas tem se posicionado foi o relatório do Exército, Marinha e Aeronáutica,
depois de uma investigação interna solicitada pela Comissão Nacional da
Verdade, concluindo que não houve desvio de finalidade no uso das instalações
militares, negando as práticas de tortura e graves violações de direitos humanos.
Desde então, militares têm faltado às
convocações das Comissões, justificando com atestados médicos, encaminhando
respostas hostis, e aqueles que compareceram mantiveram-se em silêncio.
JORNAL GGN 11 de setembro de 2014 às 20:39
Adaptado pelo Blog do SINPROCAPE 12.09.2014 08h52m
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