PROGRAMA DE MARINA DEFENDE
TERCEIRIZAÇÃO IRRESTRITA
A candidata Marina Silva, ao apresentar
opiniões frontalmente contrárias aos trabalhadores e ao defender a
terceirização ampla e irrestrita, ameaça até mesmo a competitividade do Brasil
por Maximiliano Nagl
Garcez 11/09/2014
1) Programa de Marina Silva
defende com unhas e dentes a terceirização ampla e irrestrita
Ao pesquisar a palavra "terceirização" no Programa da
candidata Marina Silva, li com extrema preocupação os trechos abaixo (íntegra
disponível aqui,
que são muitíssimos parecidos com as propostas mais reacionárias e
conservadoras existentes hoje no Brasil visando prejudicar os trabalhadores
(como por exemplo o nefasto PL 4.330):
Página
75: "...terceirização de atividades leva a maior especialização produtiva,
a maior divisão do trabalho e, consequentemente, a maior produtividade das
empresas. Com isso, o próprio crescimento do setor de serviços seria um motor
do crescimento do PIB per capita. Ambas as explicações salientam o papel do
comércio e serviços para o bem-estar da população. Mesmo assim, o setor
encontra uma série de entraves ao seu desenvolvimento. Há no Brasil um viés
contra a terceirização, e isso se traduz bem no nosso sistema tributário, que
impõe impostos como ISS e ICMS ? em cascata ou cumulativos ? em transações que
envolvem duas ou mais empresas. A consequência: algumas atividades que poderiam
ser terceirizadas por empresas acabam realizadas internamente, em prejuízo da
produtividade, porque essa forma de tributação eleva os custos e tira a
vantagem da operação."
E ainda
que o trecho acima ainda fosse suficientemente claro, logo à frente fica ainda
mais evidente a defesa escancarada da terceirização (contra a qual o movimento
sindical e várias entidades da sociedade civil organizada vem lutando):
Página
76: "Existe hoje no Brasil um número elevado de disputas jurídicas sobre a
terceirização de serviços com o argumento de que as atividades terceirizadas
são atividades fins das empresas. Isso gera perda de eficiência do setor,
reduzindo os ganhos de produtividade e privilegiando segmentos profissionais
mais especializados e de maior renda. O setor de serviços é mais penalizado por
esse tipo de problema, ficando mais exposto à consequente alocação ineficiente
de recursos com perda de produtividade."
Segue a
péssima proposta da candidata, também à pág. 76: "Disciplinar a
terceirização de atividades com regras que a viabilizem, assegurando o
equilíbrio entre os objetivos de ganhos de eficiência e os de respeito às
regras de proteção ao trabalho."
Qualquer
trabalhador ou sindicato que conheça o mundo do trabalho sabe que viabilizar a
terceirização em todas as atividades de uma empresa, sem qualquer limite, por
definição significa um enorme desrespeito "às regras de proteção ao
trabalho", como veremos a seguir.
2) O
modelo precarizante proposto por Marina Silva viola a Constituição Federal
A Constituição Federal de 1988 se configura como impedimento à eliminação e
limitação do direitos trabalhistas e sindicais, defendida pelo programa da
candidata Marina Silva e pelo PL 4.330, de 2004. Tais propostas significam uma
séria ameaça aos trabalhadores, aos sindicatos, à sociedade e à democracia.
Veremos
a seguir que é evidente a inconstitucionalidade, injustiça e inconveniência de
tais propostas.
A
primeira inconstitucionalidade da proposta de Marina Silva reside no princípio
da igualdade, contido no art. 5º.,caput, da Constituição Federal. Está inserido
no rol dos direitos fundamentais do cidadão, categoria de direitos que não
estão afetos a restrições infraconstitucionais, o que significa que não podem
ser limitados pelo ordenamento jurídico, seja quanto à regulamentação,
efetivação ou exercício desses direitos.
Vejamos
a redação do caput do art. 5º: "Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:" (...) negritamos
Ao
prever uma ampla e irrestrita terceirização, há flagrante violação ao princípio
da isonomia. A jurisprudência do E. STF demonstra que a proposição, caso venha
a ser transformada em lei (o que, diga-se de passagem, consideramos altamente
indesejável, ante sua completa inadequação com nosso ordenamento jurídico),
seria considerada manifestamente inconstitucional: "Estabelece a
Constituição em vigor, reproduzindo nossa tradição constitucional, no art. 5º,
caput (...). (...) De outra parte, no que concerne aos direitos sociais, nosso
sistema veda, no inciso XXX do art. 7º da Constituição Federal, qualquer
discriminação decorrente – além, evidentemente, da nacionalidade – de sexo,
idade, cor ou estado civil. Dessa maneira, nosso sistema constitucional é
contrário a tratamento discriminatório entre pessoas que prestam serviços
iguais a um empregador." (RE 161.243, Rel. Min. Carlos Velloso, voto do
Min. Néri da Silveira, julgamento em 29-10-1996, Segunda Turma, DJ de
19-12-1997.) negritamos
O caput
do art. 5º. deve ser interpretado em conjunto com os seguintes incisos do art.
3º. da CF: "Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; III
- erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."
O art.
1º da Constituição Federal Brasileira coloca o valor social do trabalho, ao
lado da dignidade da pessoa humana, como bens juridicamente tutelados e como
fundamento para a construção de um Estado Democrático de Direito:
"Art.
1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; IV
- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa."
A
interpretação e a aplicação do Direito do Trabalho estão obrigatoriamente
condicionadas aos princípios constitucionais de valorização do trabalho e do
trabalhador como fator inerente à dignidade da pessoa humana. Ao se eleger a
dignidade do ser humano como fundamento da República Federativa do Brasil, constitucionalizam-se
os princípios do direito laboral, com força e imperatividade aptas a conferir
ao trabalho e ao trabalhador, o significado de sustentação do próprio sistema
da nação brasileira. Tal proceder efetiva o Estado Democrático de Direito,
fazendo com que os objetivos políticos decididos pela Constituição sejam
atingidos por meio de todo o ordenamento jurídico.
A
proteção da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho impede que
qualquer norma que a viole (como tenta fazer o PL 4.330 e a terceirização ampla
e irrestrita defendida por Marina Silva) seja considera constitucional. Tal
princípio impede qualquer atitude ou norma que diminua o status da pessoa
humana enquanto indivíduo, cidadão e membro da comunidade. O tratamento dado ao
terceirizado por Marina Silva, visto somente como um mero fator de produção,
viola frontalmente tais princípios contidos no art. 1º. da Carta Magna.
3) Da
ultrajante defesa de terceirização de toda atividade empresarial no Programa de
Marina Silva
A proposta de Marina Silva é clara: acabar com a discussão atividade-fim e
atividade-meio, permitindo a terceirização de qualquer atividade empresarial e
de qualquer setor de uma empresa.
Uma
grande empresa, no modelo defendido por Marina Silva, nem mesmo precisaria ter
trabalhadores. Poderia ter apenas contratos com outras empresas, que alugariam
trabalhadores para o empresário, reduzindo o obreiro a uma mera mercadoria. E
estas outras empresas terceirizadas, por sua vez, também não necessitariam ter
trabalhadores: poderiam alugá-los de uma outra empresa, quarteirizada (ou
quinterizada). Uso a expressão alugar pois infelizmente a proposta na prática
acaba sendo o ultrajante aluguel de pessoas (proibido desde a Lei Áurea), e não
o que a candidata eufemisticamente chamar ser "terceirização".
A
diferenciação atividade-fim e atividade-meio serve como um limite claro à
terceirização, e tem permitido coibir tal prática por meio da Justiça do
Trabalho. A análise da atividade-fim é voltada à atuação da empresa tomadora de
serviços.
Pela
proposta de Marina Silva, não há limite para o que a empresa tomadora de
serviços pode terceirizar.
Ou
seja: a empresa tomadora de serviços pode se tornar apenas uma administradora
do CNPJ da empresa, terceirizando toda e qualquer atividade. E o trabalhador
terceirizado poderá ser quarteirizado, quinterizado – ou seja, transformado em
uma mercadoria, o que vai contra o princípio que determinou a fundação da OIT,
da qual participou o Brasil: "O trabalho não é uma mercadoria."
4)
Proposta de Marina Silva é claramente antissindical
A proposta de Marina Silva significa na prática que o empregador escolherá
quais sindicatos representarão seus trabalhadores, em clara violação à
liberdade sindical. O que na verdade pretende é a aniquilação do movimento sindical,
que tem sido nas últimas décadas uma das principas forças-motrizes da
democracia, da sociedade civil organizada e da resistência ao projeto
autoritário-neoliberal. Por isso, significa também uma disfarçada Reforma
Política, a fim de silenciar os trabalhadores e seus representantes.
Os
dispositivos constitucionais citados no item 2 acima seriam violados, caso
fosse permitida a terceirização de atividade-fim. O TST já analisou de modo
detalhado tal questão, em acórdão da E. SDI-1, tratando exatamente dos reflexos
malignos da terceirização ampla na estrutura sindical: "PROCESSO Nº
TST-E-RR-586341/1999.4 "De outro giro, a terceirização na esfera
finalística das empresas, além de atritar com o eixo fundamental da legislação
trabalhista, como afirmado, traria consequências imensuráveis no campo da
organização sindical e da negociação coletiva. O caso dos autos é emblemático,
na medida em que a empresa reclamada, atuante no setor de energia elétrica,
estaria autorizada a terceirizar todas as suas atividades, quer na área fim,
quer na área meio. Nessa hipótese, pergunta-se: a CELG, apesar de beneficiária
final dos serviços prestados, ficaria totalmente protegida e isenta do
cumprimento das normas coletivas pactuadas, por não mais responder pelas
obrigações trabalhistas dos empregados vinculados aos intermediários? Não resta
dúvida de que a consequência desse processo seria, naturalmente, o
enfraquecimento da categoria profissional dos eletricitários, diante da
pulverização das atividades ligadas ao setor elétrico e da consequente
multiplicação do número de empregadores. Todas essas questões estão em jogo e
merecem especial reflexão."
Convém
destacar que o STF coloca a liberdade sindical como predicado do Estado
Democrático de Direito: "A liberdade de associação, observada,
relativamente às entidades sindicais, a base territorial mínima – a área de um
Município –, é predicado do Estado Democrático de Direito. Recepção da
Consolidação das Leis do Trabalho pela Carta da República de 1988, no que
viabilizados o agrupamento de atividades profissionais e a dissociação, visando
a formar sindicato específico." (RMS 24.069, Rel. Min. Marco Aurélio,
julgamento em 22-3-2005, Primeira Turma, DJ de 24-6-2005.)
5) Da
necessidade de impor limites à terceirização, ante os prejuízos que traz aos
trabalhadores e à sociedade
O fenômeno da terceirização é permitido por nosso ordenamento jurídico somente
quanto ao trabalho temporário (Lei. 6.019/74), de vigilantes (Lei 7.102/83) e
de serviços de limpeza e conservação (conforme a Súmula 331 do TST).
Tal
Súmula considera ilegal a terceirização da atividade-fim da empresa. Ou seja,
qualquer descentralização de atividades deverá estar restrita a serviços
auxiliares e periféricos à atividade principal da empresa.
Uma
adequada interpretação da Constituição Federal também permite colocar sérios
limites ao fenômeno da terceirização, por meio da utilização dos princípios
constitucionais da valorização do trabalho e da dignidade humana, como vimos
acima.
Vejamos
alguns dos prejuízos que a terceirização ampla e irrestrita defendida por
Marina Silva traria aos trabalhadores e à sociedade:
1) a
destruição da capacidade dos sindicatos de representarem os trabalhadores;
2)
baixos salários e o desrespeito aos direitos trabalhistas, com impactos
negativos na economia, no consumo e na receita da Previdência Social e do FGTS
(usado primordialmente para saneamento básico e habitação, com prejuízos a
todos; nesse sentido, convém mencionar as sábias palavras do magistrado José
Nilton Pandelot, ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da
Justiça do Trabalho: "Eu diria que a terceirização não é o futuro e sim a
desgraça das relações de trabalho. Porque essa terceirização se estabelece na
forma de precarização. Ela se desvia da sua finalidade principal. Não é para
garantir a eficiência da empresa. É para reduzir o custo da mão-de-obra. Se ela
é precarizadora, vai determinar uma redução da renda do trabalhador, vai
diminuir o fomento à economia, diminuir a circulação de bens, porque vai
reduzir o dinheiro injetado no mercado. Há um equívoco muito grande quando se
pensa que a redução do valor da mão-de-obra beneficia de algum modo a economia.
Quem compra, quem movimenta a economia são os trabalhadores. Eles têm que estar
empregados e ganhar bem para os bens circularem no mercado. Pode não ser
evitável, mas se continuar dessa forma, com uma terceirização que serve para a
redução e a precarização da mão-de-obra, haverá um grande prejuízo à cidadania
brasileira e à sociedade de um modo geral";
3)
precarização do trabalho e o desemprego. A alegada "geração de novos
postos de trabalho" pela terceirização é uma falácia: o que ocorre com tal
fenômeno é a demissão de trabalhadores, com sua substituição por
"sub-empregados" (vide o exemplo da Argentina e da Espanha nos anos
90);
4)
aumento do número de acidentes do trabalho envolvendo trabalhadores
terceirizados, como já atestou o TST no julgado supracitado;
5)
prejuízos aos consumidores e à sociedade, ante a profunda diminuição da
qualidade dos serviços prestados nas áreas de saúde, educação, segurança,
energia, água e saneamento (dentre inúmeros outros), que seriam fortemente
afetados pela terceirização ilegal;
6)
prejuízos sociais profundos. A ausência de um sistema adequado de proteção e
efetivação dos direitos dos trabalhadores, com a existência de um grande número
de trabalhadores precarizados, sem vínculo permanente, prejudica toda a
sociedade, degradando o trabalho e corroendo as relações sociais: "Como se
podem buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se
podem manter relações sociais duráveis? Como pode um ser humano desenvolver uma
narrativa de identidade e história de vida numa sociedade composta de episódios
e fragmentos? As condições da nova economia alimentam, ao contrário, a experiência
com a deriva no tempo, de lugar em lugar, de emprego em emprego. Se eu fosse
explicar mais amplamente o dilema de Rico, diria que o capitalismo de curto
prazo corrói o caráter dele, sobretudo aquelas qualidades de caráter que ligam
os seres humanos uns aos outros, e dão a cada um deles um senso de identidade
sustentável." (SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter: As Conseqüências
Pessoais do Trabalho no Novo Capitalismo. Trad. Marcos Santarrita. Rio de
Janeiro: Record, 1999, p. 27).
6)
Conclusão: proposta de Marina é uma série ameaça aos trabalhadores, aos
sindicatos e até mesmo à competitividade da economia brasileira
Não se
pode tratar o trabalhador como uma mera peça sujeita a preço de mercado,
transitória e descartável. A luta contra a terceirização ampla e irrestrita
(infelizmente proposta de modo veemente no Programa da candidata Marina Silva),
lembra à sociedade os princípios fundamentais de solidariedade e valorização
humana, que ela própria fez constar do documento jurídico-político que é a Constituição
Federal, e a necessidade de proteger a democracia, a coisa pública e a
qualidade do serviços públicos, essenciais para o bem-estar da população.
A
candidata Marina Silva, ao apresentar opiniões frontalmente contrárias aos
trabalhadores e ao defender a terceirização ampla e irrestrita, ameaça até
mesmo a competitividade do Brasil, pois a implementação de tais temerosas
propostas:
-
criaria enorme quantidade de trabalhadores precarizados e descartáveis;
- aumentaria a desigualdade social;
- tornaria ainda mais frequentes os acidentes e mortes no trabalho;
- diminuiria o consumo;
- e por fim, prejudicaria não somente a produtividade e a economia, mas toda a
sociedade brasileira.
BRASIL 247 11 de setembro de 2014 às 16:30
Adaptado pelo Blog do SINPROCAPE 12.09.2014 09h09m
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