O PAPA
FRANCISCO SIMPATIZA COM O ATEÍSMO CRISTÃO?
Juan Arias, jornalista, publicado no jornal El País,
14/05/2015
Está cada vez mais claro que
o Papa Francisco se entende melhor com ateus como José
Mujica ou Raúl Castro, do que com alguns católicos tradicionais que
não perdoam que ele tenha se despojado de todos os símbolos do poder papal, herdados
do Império Romano, quando a Igreja passou de perseguida e escondida nas
catacumbas para se tornar a religião do Estado.
Francisco teria
simpatia pelo ateísmo cristão? Quando o Vaticano recebe em audiência políticos
ateus, dá a impressão de que conversa à vontade com eles.
Ateus e
agnósticos se sentem atraídos pela figura do pontífice, o qual alguns membros
da Cúria afirmam com certo desdém que “não parece Papa”.
Aqueles
que conhecem Francisco de perto confirmam que, quando era cardeal de
Buenos Aires, sempre manteve uma relação cordial com não crentes e ateus, assim
como com os líderes de outras religiões.
Em seu
livro de conversas com o rabino Abraham Skorka, Entre o Céu e a
Terra, o então arcebispo argentino contava que quando alguém se aproximava dele
para conversar, não perguntava se a pessoa acreditava ou não em Deus. O
importante, afirma, era saber se seu interlocutor “fazia algo pelos demais”,
que era o mesmo que perguntar se acreditava na humanidade.
Para Francisco,
os verdadeiros ateus não são os que negam a Deus, mas o próximo. Deve ter sido
essa postura, que lembra o ateísmo cristão ou cristianismo ateu, teorizado por
teólogos como Paul von Buren, C.Lyas, Thomas
Ogletreeou Altizer, entre muitos outros, o que esteja chamando a atenção
dos descrentes.
Para os
seguidores do cristianismo ateu, “a palavra Deus, por si só, não tem sentido e
é enganosa”, como afirma um de seus teólogos.
Francisco está
lembrando sua Igreja que existe outro modo religioso de ver as coisas e a vida
e que a fé em Deus não é indispensável para se sacrificar pelo próximo
De acordo
com esse ateísmo cristão, “o tradicionalismo eclesiástico deixou de ser
cristão” e lembra que Jesus foi um laico, um secular, não um membro da casta
sacerdotal.
Alguns
católicos tradicionais acusam Francisco justamente disso: de ter
esquecido de ser Papa, eclesiástico, e de falar e se preocupar mais com os
homens e suas angústias, com sua pobreza e com as injustiças cometidas contra
eles, do que com Deus.
O líder
cubano, cujo regime comunista perseguiu e submeteu ao ostracismo milhares de
fiéis cristãos, disse ao sair de uma audiência de uma hora com o Papa: “Se
continuar assim, voltarei a rezar e volto à Igreja”.
Certamente, Francisco não
falou sobre Deus com Raúl Castro, mas da necessidade de que os cubanos
possam realizar seus desejos de felicidade e liberdade.
Francisco teve
o mesmo tipo de conversa com o então presidente do Uruguai, José Mujica,
que, ao sair da audiência, confessou que, embora sendo ateu, havia se entendido
bem com o Papa sobre a luta pela defesa dos mais pobres e humilhados na Terra.
Não há
dúvida que Francisco, em seus discursos e em seus atos, segue mais o
cristianismo das origens do que o das teologias medievais. Sua crença é a
daquele profeta judeu, que ia em busca da caravana de deserdados que a sociedade
de seu tempo perseguia ou desprezava.
Há uma
passagem dos evangelhos emblemática: quando Jesus diz que curava os
doentes e expulsava os demônios porque “não suportava ver as pessoas sofrerem”.
Era fazer o bem pelo bem, não em busca de uma recompensa, nem sequer divina.
O ateísmo
cristão afirma, justamente, que “não há necessidade de ameaçar com o inferno
nem seduzir com o paraíso para fazer o bem”. Um conceito
que Franciscoreforça todos os dias em seus discursos e conversas com os
jornalistas.
Há quem
não veja com bons olhos, dentro do catolicismo de Roma, que o Papa, apesar de
levar uma via austera e simples, sem as tradicionais pompas pontifícias, não
desdenhe os pequenos prazeres da vida. Os prazeres de todos os mortais, desde
um bom café ou o entusiasmo por seu time de futebol, até o de preparar ele
mesmo um frango. É um Papa que não tem medo do tato, que beija, que abraça e
cultiva com paixão suas amizades.
E é o
ateísmo cristão, para o qual não há outra divindade do que a própria
humanidade, o que deixou de lado o chamado “ódio paulino ao corpo”, aquele medo
que o apóstolo Paulo demonstrava diante da sexualidade e que o levou
a rebaixar as mulheres na hierarquia da Igreja, apesar delas terem promovido as
primeiras comunidades cristãs.
O Papa
Francisco se entende melhor com os ateus do que muitos de seus
antecessores. Ele sempre rejeitou a ideia de que ser ateu implicasse ser
imoral, já que sem fé não existiria ética. É a ideia tão cultivada pelos
católicos tradicionais de que “Se Deus não existe, tudo é permitido”.
Francisco está
lembrando sua Igreja que existe outro modo religioso de ver as coisas e a vida
e que a fé em Deus não é indispensável para se sacrificar pelo próximo. Sabe
muito bem que a Igreja que ele representa, e que sempre temeu tanto os ateus,
foi capaz de matar em nome de Deus. Por outro lado, o cristianismo ateu
reconhece que o mandamento “não matarás” continua sendo válido e razoável, sem
necessidade de deuses que o proíbam.
Alguns
católicos tradicionais acusam Francisco de se preocupar mais com os
homens e suas angústias, com sua pobreza e com as injustiças cometidas contra
eles, do que com Deus
O Papa
Francisco está repetindo insistentemente para bispos e cardeais que a fé
deve arrancá-los de seus palácios, para que possam ir às periferias das
cidades, onde o poder criou os novos guetos dos condenados à miséria. Pede que
não tenham medo de “tocar” os pobres. Não pede para que rezem a Deus por eles,
mas que sejam um deus bom para eles.
Não será
essa ênfase mais nos homens do que em Deus o que atrai
para Francisco a curiosidade e simpatia de ateus e agnósticos, assim
como certa distância dos católicos tradicionais?
Francisco está,
de algum modo, endossando a filosofia dos teólogos do ateísmo cristão, que
defende não ser possível acreditar em um deus sem antes acreditar e abraçar a
humanidade mais marginalizada e desamparada.
INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS 15 de maio de 2015
Adaptado pelo Blog do SINPROCAPE 16.05.2015 13h38m
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