SCOTT COURTNEY — Totalmente. Nós temos inveja das leis brasileiras.
SCOTT — Para começar, a legislação brasileira estimula a reivindicação dos trabalhadores através do apoio aos sindicatos. Aqui, o Estado é favorável a que os trabalhadores se organizem. Nos Estados Unidos, acontece o contrário. A legislação desfavorece a filiação dos trabalhadores, criando barreiras e dificuldades para a formação de sindicatos. As empresas têm um imenso poder de pressão sobre os trabalhadores e reforçaram esse poder nos últimos anos. O resultado é que hoje temos uma das mais baixas taxas de sindicalização do mundo, inferior a 7% dos assalariados.
SCOTT — A legislação exige que 50% dos empregados de uma empresa sejam favoráveis a criação de um sindicato, dizendo isso, por escrito, com a assinatura de cada um, num documento que será enviado a uma comissão do governo. Eles também devem confirmar essa decisão, seis semanas depois, em votação secreta. Isso dá um tremendo poder às empresas para pressionar os empregados, que podem ser convencidos a mudar de ideia. É o contrário do que ocorre no Brasil.
SCOTT — Ocorreu uma mudança histórica. No período anterior, o mundo em que cresci, os trabalhadores chegaram a ter tanto poder político que eram ouvidos nas decisões de governo. Mesmo um presidente como Richard Nixon, conservador e republicano, era obrigado a levar os sindicatos em conta. Nixon tomou medidas favoráveis aos assalariados, porque sabia que era necessário fazer isso para poder governar. Comparando com aquilo que acontecia naquela época, nós podemos dizer que até preferimos as ideias de Barack Obama e compreender a importância de sua vitória mas o desempenho de Nixon, do ponto de vista dos trabalhadores, foi muito mais efetivo. Nixon não era melhor. Os trabalhadores é que eram mais fortes.
SCOTT -- Naquele período, o padrão de vida da maioria dos americanos era resolvido, ano a ano, pelas negociações entre os sindicatos e a indústria, a começar pelas siderúrgicas e pelos fabricantes de automóveis. Os grandes direitos e benefícios dos trabalhadores foram criados naquela época, inclusive os fundos de pensão suplementar, nascidos para reforçar a aposentadoria pública. Hoje, nós chegamos ao fundo do poço.
SCOTT — Enquanto temos executivos com renda 500 ou 600 vezes maior do que seus empregados, o salário médio se tornou tão baixo, nos Estados Unidos, que 43% dos trabalhadores americanos precisa de ajuda do Estado para pagar as contas do fim do mês. Temos 100 milhões de trabalhadores, aproximadamente. Desses, perto de 43 milhões recebem ajuda do Estado para sobreviver. São selos de alimentação e outros benefícios, criados pelo New Deal de Franklin Roosevelt, na década de 1930. No total, estamos falando em 187 bilhões de dólares por ano, segundo informou uma reportagem do Washington Post. Foram retirados tantos benefícios, ao longo dos anos, que o próprio Estado está sendo obrigado a devolver uma parte do que retirou. Esse dinheiro é um subsídio para sustentar um setor privado que paga salários tão baixos e tem lucros tão altos. É um custo a mais, pago pelos contribuintes, que arcam com responsabilidades que deveriam caber às empresas. Nem todo mundo vive assim, é claro, mas os parâmetros da maioria dos norte-americanos é definido dessa forma, pois expressam a força dos principais empregadores.
SCOTT — Nosso sindicato tem uma luta permanente em defesa dos trabalhadores do Mc Donalds. Se a indústria de fast-food é a grande empregadora da economia atual, o Mc Donalds é a maior entre as maiores. Emprega dois milhões de pessoas em todo o mundo, um milhão apenas nos Estados Unidos. É a segunda maior empregadora mundial. Também é uma das grandes empregadoras no Brasil. Tanto lá, como aqui, as condições de trabalho são tão ruins que ninguém aguenta permanecer no emprego por um ano. No Brasil, a rotatividade de mão de obra é de 130% por ano. Nos Estados Unidos, é um pouco menor: 110% por ano. Isso dá uma ideia da situação que os trabalhadores enfrentam. No Brasil, a Justiça já encontrou franqueadas que todos os meses subtraiam uma parcela indevida do salário dos trabalhadores. A diferença estava lá, no contracheque, para todo mundo ver. No Paraná, um juiz do trabalho interrompeu uma audiência no meio para fazer uma visita surpresa numa franqueada onde encontrou um menino de 16 anos. Em outro caso, os funcionários eram obrigados a fazer as refeições no próprio Mc Donalds e pagar por elas.
SCOTT — Estamos falando de um grupo mundial e precisa negociar no mesmo nível. Nos Estados Unidos, fazemos uma campanha por um salário de 15 dólares por hora de trabalho. Nas condições do país, é uma renda apenas razoável, para garantir uma vida com dignidade, sem as dificuldades de hoje, quando você pode encontrar — eu já vi isso — trabalhadores que chegam a não se alimentar direito porque preferem dar comida para os filhos. Nas condições de hoje, nem o Mc Donalds nem outros grupos dessa dimensão aceitam negociar conosco. Muitas vezes, aliás, você nem sabe quem são os verdadeiros donos, com quem poderia negociar. São empresas, que pertencem a outras empresas, que são controladas por terceiras empresas que, por sua vez, pertencem a um fundo com sede em outro país.
SCOTT — Eu pergunto qual o melhor benefício da sociedade, para a maioria da população. Tenho certeza de que, mesmo custando muito dinheiro, é melhor viver num país onde há uma Justiça do Trabalho.
SCOTT — Essa ideia está nos jornais do Murdoch (Robert Murdoch, um dos imperadores da mídia mundial, patrono de causas ultraconservadoras). Mas eu acho que a causa é outra. Os sindicatos foram atingidos em seu poder de barganha. Foram enfraquecidos, num processo deliberado que teve início a partir da década de 1970. Ficaram fracos porque podem menos. O trabalhador não mudou. Sou dirigente sindical há muitas décadas. Converso com trabalhadores do mundo inteiro e acho que aprendi a ouvir o que dizem. Nunca encontrei um trabalhador que seja contra o sindicato. Quando podem falar sem pressão externa, sem sentir qualquer tipo ameaça, dizem que ter um sindicato é melhor do que não ter. E é por isso que as leis brasileiras são importantes. Os trabalhadores procuram os sindicatos quando sentem que podem ajudá-los a conseguir suas reivindicações. Nosso sindicato dobrou o numero de filiados em dez anos. Tenho certeza de que nossa disposição de luta e vontade de mudança tem a ver com isso.
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