“AGRADEÇA A CONTRAVENÇÃO”: A FALTA DE TRANSPARÊNCIA NA PARCERIA
DA GLOBO COM OS BICHEIROS DO CARNAVAL
O Jornal Nacional de quinta-feira
não surpreendeu quem esperava que os atores principais, William Bonner e Renata
Vasconcellos, fossem tocar nos assuntos mais palpitantes da semana: o título da
Beija Flor e o escândalo do HSBC.
No do
Carnaval carioca, a situação é igualmente embaraçosa, por motivos outros: a
Globo é “sócia” daquilo tudo há décadas.
Nunca
antes na história desse país um campeonato momesco foi tão contestado — no
Brasil e no exterior. Foi preciso o patrocínio de um ditador africano para muita
gente se perguntar o óbvio: como pode um desfile bancado pelo crime há tanto
tempo?
Mais:
como fica a Globo, detentora dos direitos de transmissão há tanto tempo, diante
dessa pilantragem?
A relação
da emissora com os bicheiros é de, para usar outro eufemismo, cumplicidade. Há
reuniões para decidir estratégias comerciais. A Globo vende cotas da
transmissão. As escolas não podem, por exemplo, ter uma marca que conflite com
um parceiro da TV.
A Marquês
de Sapucaí é transformada numa sucursal do Projac, com todos os atores e
atrizes sambando. Dezenas de jornalistas são mobilizados para a cobertura de um
megaevento promovido pela empresa para a qual trabalham.
É
impossível que a Globo não soubesse de antemão o que a Beija Flor, ou qualquer
outra agremiação, fosse fazer na avenida. Quando o escândalo de Teodoro Obiang
estourou, ficou difícil evitá-lo. E então a cobertura jornalística foi a mais
esquizofrênica possível.
Só no
final da participação da Beija Flor na Sapucaí Fátima Bernardes mencionou que a
Guiné Equatorial era um país “ainda em busca de suas liberdades” e que o
presidente estava no poder há 35 anos. Nem pensar em chamá-lo “ditador”.
Na Globo
News, a mesma saia justa. Entre matérias idiotas sobre dietas de Momo, os
comentaristas falavam do financiamento. Merval Pereira achou uma solução: toda
a negociação começou quando Lula visitou o país durante seu governo. Segundo
Merval, é um esquema parecido com o que o PT faz nas campanhas. Curiosamente, é
a maneira como a Globo noticia, eventualmente, o HSBC: sua suposta ligação com
a Lava Jato.
“Se não
fosse dinheiro da contravenção, hoje não teríamos o maior espetáculo audiovisual
do planeta. Agradeça à contravenção”, disse Neguinho da Beija Flor, num
sincericídio necessário. “A Portela também teve um patrocínio muito forte.
O governador do Rio de Janeiro, o Pezão, queria que a Portela ganhasse. E ele
não fez algum investimento? O prefeito (Eduardo Paes) é portelense doente. Vai
dizer que ele não colocou dinheiro na Portela?”
Uma
discussão séria sobre a transparência e o dinheiro sujo do Carnaval carioca
passa pelo papel da Globo na pilantragem.
DCM 20 de fevereiro 2015
Adaptado pelo Blog do SINPROCAPE 21.02.2015 06h56m
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